Geraldo Silva de Carvalho, o “Doutor Geraldo”, é uma dessas instituições de que Fernandópolis não abre mão. Polivalente, metódico, sistematicamente voltado para a filantropia e as coisas do espírito, esse homem de gestos polidos e fala ao mesmo tempo mansa e incisiva foi guindado na última quinta-feira ao cargo de Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Fernandópolis. Um desafio que, se é gigantesco para qualquer pessoa em qualquer época da vida, em teoria deveria ser ainda maior para um homem de 78 anos. Ledo engano. “Doutor Geraldo” tem reservas físicas e espirituais insondáveis, que ele usa com parcimônia, sempre na hora adequada. Conversar com ele é sempre uma lição de vida. Com certeza, quem esteve na assembleia da Santa Casa na quinta-feira saiu otimista em relação ao futuro do hospital.
CIDADÃO: O senhor assumiu o desafio que é gerir este imenso hospital. Qual é a expectativa, neste primeiro dia de trabalho?
GERALDO: Minha expectativa é de aprendizagem, em primeiro lugar. Isso porque é uma área que nós desconhecemos, mas da qual gostamos muito. Já fomos convidados pela terceira vez para ser provedor, e não tivemos condições de aceitar anteriormente. Como atualmente eu estou mais disponível, me pus à disposição e decidir aceitar. Só que tenho em vista que a situação é complexa, difícil, ampla, e nos traz um compromisso muito grande perante a instituição e a sociedade. Então, estamos assessorados pelo Dr. Fausto Agrelli, que é meu amigo particular e que veio de um hospital e tem, portanto, conhecimento da área, a despeito de não ser administrador hospitalar. Com ele, passamos um mês aqui na Santa Casa, levantando informações, nos aproximando das pessoas e tentando nos integrar nesta organização. Visitamos a Santa Casa de Santos, que foi a primeira Santa Casa, e tivemos oportunidade de constatar as dificuldades que lá, como em todas as outras, existem. Todas as Santas Casas têm problemas financeiros. Então, esse problema, especificamente, não será surpresa, porque é do conhecimento de todas as pessoas que estão envolvidas no processo. Mas isso não nos gera uma expectativa de muita dificuldade. Nós tentamos montar uma diretoria bem simples, com pessoas bem disponíveis e que possam participar ativamente – eu não gostaria de assumir nunca as responsabilidades sozinho – e com essa equipe de trabalho, tenho a impressão de que vamos realizar uma atividade tranqüila, gerando dentro da instituição um clima fraterno, amigo e tentando humanizar ainda mais o atendimento, seja em relação aos pacientes, seja em relação ao próprio entrosamento entre as diversas áreas que compõem esta organização – enfermagem, clínica, enfim, todos os que atual nesta área.
CIDADÃO: É público e notório o crônico déficit mensal da Santa Casa, por diversas razões. Uma delas, o Ministério Público tentou contornar, com a solicitação de auxílio aos prefeitos das cidades da microrregião que usam os serviços da Santa Casa de Fernandópolis. Como está essa situação?
GERALDO: Infelizmente, como estou chegando agora não sei responder com precisão, mas temos a informação de que o Pronto Socorro é uma instituição do município, e que os municípios adjacentes, que fazem parte do nosso grupo, também enviam pacientes para cá e que deveriam compor também essa colaboração. As informações que obtivemos são de que isso ainda não se harmonizou, não se concretizou. Enfim, isso ainda não foi incorporado pelos municípios. Mas, vamos tentar realizar também essa tarefa, para o benefício de todos. Acredito que o que é justo, é justo; e, se estamos atendendo pessoas de várias áreas da nossa região e até mesmo de regiões distantes – porque é comum virem pacientes de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e outras regiões longínquas – e que são atendidos pela emergência. É um trabalho a ser realizado, e fica sempre aquela dificuldade de atendimento pelo acúmulo e pelas inerentes condições que o SUS oferece.
CIDADÃO: E com relação à tabela diferenciada do SUS, no caso da Santa Casa se tornar hospital-ensino? O senhor joga com essa perspectiva?
GERALDO: Sim, também. Cremos que com essa alteração, que estamos na expectativa de que se concretize, realmente teremos uma melhora nessa área. As coisas deverão se acomodar de forma diferente, e nós tentaremos fazer a nossa parte, dando enfoque especial a ela.
CIDADÃO: Qual será a política da Santa Casa em relação aos cursos de Medicina da Unicastelo e aos cursos afins da FEF, como Enfermagem?
GERALDO: Claro que, sendo um hospital de ensino, é provável – ainda não me inteirei plenamente desse relacionamento e das condições estabelecidas – mas é muito provável que a Santa Casa tenha que abrir bastante as portas para que esses jovens, que estão aí no início de suas carreiras, tenham oportunidades práticas de realizar o exercício de suas funções. Portanto, como hospital de ensino, é evidente que a Santa Casa terá que manter suas portas abertas para isso, respeitando-se todos os protocolos, todas as condições inerentes à disciplina da casa e ao respeito.
CIDADÃO: O senhor está com que idade?
GERALDO: Tenho 78 anos.
CIDADÃO: O senhor, como disse, passou o último mês percorrendo o ventre deste grande hospital e conhecendo muitos dos seus segredos. Deve, então, ter consciência do tamanho do desafio. Essa coragem de topar a parada vem da sua alta espiritualidade e do amor ao próximo? Qual é a sensação, neste primeiro dia de trabalho?
GERALDO: Vou lhe dizer uma coisa muito particular que sinto: em primeiro lugar, considero realmente que esse desafio, para mim, em termos reencarnacionistas – porque sou espírita e presidente da Associação Espírita Beneficente Pátria do Evangelho, estou há muitos anos lá dentro – estamos num trabalho filantrópico há 45 anos totalmente desprovido de remuneração, de qualquer tipo de benefício ou interesse político. Fazemos em função da nossa convicção religiosa. O lema da doutrina é: fora da caridade não há salvação. Então, nós tentamos nos disciplinar dentro dessa área. O que vejo, então? Sendo reencarnacionista, eu assumo que entro numa proposta de trabalho por alguma razão – despeito da minha idade, que considero já acima dos padrões necessários para um bom desempenho de uma função dessas, que exige dinamismo, força física, além do equilíbrio intelectual e capacidade de assimilação de novos conhecimentos. Com a idade, é claro que passamos a ter maiores dificuldades para essa assimilação. Mas, com tudo isso, considero que é um resgate. Não é missão, é um resgate, porque como tal eu diria que me sinto num trabalho de reajuste com o meu passado. De acordo com as leis de causa e efeito que regem todas as nossas vidas, a nossa situação atual é muito difícil, reconheço. Mas não considero como missão porque não me sinto à altura de desenvolvê-la da forma mais satisfatória; porém, me sinto no compromisso de participar desse trabalho e me reajustar com a lei Divina que é a lei de Justiça. Então, devo, através do meu exercício nessa função, resgatar minhas dívidas do passado. É delicado falar disso, porque só dentro da gente é que entendemos esse processo. Buscamos no arquivo da memória espiritual os porquês disso tudo. Nesse período de aproximação, em alguns momentos me senti meio desanimado, triste, incapaz. Mas todas as vezes em que me senti assim, senti também uma força me empurrando e me disponibilizando para isso. Sinto que há um reforço espiritual, que não é mérito meu, mas sim da instituição, porque esta é uma Santa Casa cuja finalidade básica é a filantropia, ela foi criada originariamente para isto, e muitas vezes desviaram esse caminho para outros rumos – de interesses particulares, e todos nós sabemos que ela acaba se tornando uma empresa, e que ela deve ser rentável, e que todos devem ter seus benefícios também. Mas, acima de tudo, considero a Santa Casa uma instituição filantrópica que deve atender à população – tanto a carente como a não-carente – da mesma forma, sempre sob o espírito humanitário.