Landim, o sessentão carbonário

20 de Agosto de 2025

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Landim, o sessentão carbonário
 
   Em 2011, aos 60 anos de idade, José Reginaldo Landim começou a cursar a Faculdade de Direito da Unicastelo. Até aí, nada de excepcional: outras pessoas começaram esse curso na terceira idade. Só que Landim foi além: recentemente, ele se elegeu presidente do diretório acadêmico da faculdade e tem grandes projetos de trabalho para 2012. Casado com Lourdes Corsini Landim, pai de Lúcia, Francisco e Fernando, ele morou em Fernandópolis em duas ocasiões: de 1971 a 1980 e de 1990 até hoje. Ex-técnico em refrigeração e ex-pequeno industrial, Landim, apesar da fala mansa e pausada, é um vulcão de ideias e leva no peito a flama, a ira santa dos que não toleram a iniquidade. Deu provas disso há poucos anos, quando liderou o chamado Movimento Popular contra a Exploração da Sabesp e é crítico ferrenho da atual administração municipal, na qual enxerga todos os defeitos que costuma apontar na geração que assumiu o país nos tempos pós-ditadura. Respeitado pelos colegas, ele é sereno e coerente. Um belo exemplar humano, que tem, como todos os justos, dificuldade em emergir da multidão, sufocado que é pela ação dos poderosos de plantão, que veem em pessoas como Reginaldo Landim obstáculos à consecução de seus interesses inconfessáveis.         
 
CIDADÃO: Por que você decidiu estudar Direito aos 60 anos?
LANDIM: Eu vinha, já há algum tempo, sofrendo com a necessidade de ter assistência jurídica para os movimentos sociais em que me envolvia. Movimentos populares, como se sabe, geralmente não têm recursos, e ficávamos dependentes de favores de advogados amigos. Uma vez, na época do Movimento contra a Exploração da Sabesp, fui convidado para participar do lançamento de uma frente parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo. Naquele dia, senti o quanto me fazia falta a formação acadêmica – especialmente na área do Direito. Senti-me desarmado, ali. Eu estava cercado por doutores, e, confesso, me senti inferiorizado. Voltei para Fernandópolis, envolvi-me nas eleições de 2008 – uma campanha que me decepcionou bastante, porque percebi o quanto o dinheiro manda numa eleição no Brasil, hoje. Ninguém estava preocupado com o social, com ideologias. O pobre tem um senso de honestidade impressionante, embora um tanto distorcido: o candidato rico lhe dá uma cesta básica e R$ 50 e ele efetivamente cumpre o combinado, vota no corruptor. Ora, sozinho na cabine eleitoral ele poderia fazer o que quisesse, mas ele honra o compromisso. Bem, aí, em 2010, fui “brindado” com uma enfermidade – um câncer. Ali começou um périplo terrível, porque ninguém passa incólume por um câncer. Revi muitos valores. Concluí que, não sabendo mais quanto tempo de vida poderia ter, era hora de dar pressa àquele projeto de fazer uma faculdade de Direito. Criei coragem – até porque fui feliz na radioterapia que fiz em Ribeirão Preto, os médicos disseram que tenho 92% de chances de ter eliminado o problema e 8% de que ele volte; e mesmo assim não é num órgão vital, o problema surgiu numa axila – e acelerei as coisas. Entrei no curso preocupado em como seria o relacionamento de um sexagenário com os jovens estudantes, mas fui muito bem recebido pela turma. Tenho um reconhecimento enorme pelos meus colegas, por me “aceitarem”. Depois de vinte dias de aula, fui aclamado como representante de classe, e achei que era algo extremamente honroso.
CIDADÃO: E quanto ao curso de Direito propriamente dito, você está gostando?
LANDIM: O Direito é um curso fascinante. Hoje, lamento profundamente não tê-lo feito quando tinha 20 anos. E não é só por causa da natural dificuldade de memorização do direito positivo que tenho aos 60, mas principalmente porque as abordagens filosóficas, sociológicas e antropológicas poderiam ter norteado minha vida passada, especialmente em algumas tomadas de posição. É lógico que, para o jovem, independente de exercer ou não a profissão, essa formação é fantástica. Aprendi a admirar grandes professores da Unicastelo, que não sei dizer se ensinam mais quando passam a matéria ou com suas próprias lições de vida. É o caso do doutor Pedro Callado, pessoa que admiro sobremaneira. Doutor Callado passou mais da metade de sua vida com o poder na mão, e, no entanto, nunca se deixou seduzir pela soberbia. Há um ditado nos meios acadêmicos segundo o qual metade dos juízes pensa que é Deus, e a outra metade tem certeza (risos). O doutor Callado, quando sai da classe, é acompanhado por dez ou doze alunos, e trata a todos com atenção e simpatia. É até beijado na testa por alguns alunos, em sinal de respeito.
CIDADÃO: O que levou o aluno Reginaldo Landim a se candidatar à presidência do Diretório Acadêmico “Júlio César Olhier”?
LANDIM: Quando eu tinha 19 anos, em Barretos, era muito amigo dos alunos da Faculdade de Engenharia de lá. Eram tempos de ditadura militar e circulava nos grandes centros o “Pasquim”, jornal alternativo de esquerda. Seus expoentes eram Henfil, Jaguar, Ziraldo, Paulo Francis e outros. O pessoal do diretório de Barretos me perguntou se conseguiria em São Paulo alguns exemplares do jornal. A primeira vez que vi o jornal foi em Santos, numa banca da Avenida Presidente Wilson. Disse que conseguiria, sim. Eu e um amigo, Mario Augusto Gomes Correia, já falecido, fomos para São Paulo e tivemos contato com estudantes do Diretório Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Obtivemos alguns exemplares e fomos para a Estação da Luz com dois pacotes de jornal. Lá, enquanto esperávamos o trem, de repente chegaram dois policiais e nos prenderam. Levaram a gente para o antigo DOPS, que ficava entre a Estação da Luz e a Estação Rodoviária. Não fomos torturados, felizmente, apenas nos interrogaram e deixaram numa sala. Já passava das 23h quando apareceu o presidente do 11 de Agosto. Ele foi para lá para nos ajudar. Perguntou se tínhamos contato com alguém importante dos poderes constituídos. O Mário revelou que era sobrinho de um desembargador, doutor Geraldo Gomes Correia. Ele fez contato por telefone com o desembargador, que ligou para o DOPS. À meia-noite estávamos soltos! O rapaz do 11 de agosto nos levou para a sede do diretório, onde passamos a noite, dormindo em colchonetes. De manhã, nos levaram de Kombi até Jundiaí, onde pegamos condução para Barretos, mas não sem antes nos aconselharem para que não aparecêssemos em São Paulo por um bom tempo. Daí, passei a admirar os diretórios acadêmicos em geral e o 11 de Agosto em particular. Passados 40 anos, surgiu essa oportunidade de presidir o nosso D.A.
CIDADÃO: Quais são as diferenças básicas entre aquela época e hoje?
LANDIM: Percebo que hoje o foco é diferente, as pessoas já não se envolvem tanto com as questões sociais. O jovem parece meio desmotivado. O grande erro da minha geração foi imaginar que bastava derrubar a ditadura que o Brasil se tornaria um paraíso. Há um grupo de crápulas civis que tomou conta do poder. Na verdade, vivemos agora uma ditadura econômico-social, só mudou o inimigo. O individualismo, o carreirismo do jovem de hoje é mero reflexo desse fenômeno. Em minha opinião, não há ninguém melhor instrumentalizado para lutar contra o sistema do que o estudante de Direito, que tem preparo na operacionalização da lei. Quero motivar esses jovens, afinal eu me sinto meio responsável por essa alienação. É um trabalho difícil, porque quando você tenta conversar com o jovem ele responde que política é coisa de salafrário, de ladrão. E tem até certa razão. Os bons, os honestos, temem disputar cargos eletivos. Temos que trabalhar esse senso crítico.
CIDADÃO: Na faculdade, há casos pontuais de jovens que passaram a se interessar por política, ou que, de um jeito ou de outro, poderão ser futuros líderes?          
LANDIM: Tenho certeza de que, da minha classe, sairão grandes juristas. Temos o exemplo de um rapaz de Urânia, o Rafael, que dirige um ônibus de bóias-frias. Tem dia que ele sai às 4h de Urânia, leva o pessoal para Olímpia, volta para Urânia e vem a Fernandópolis, sem jantar, para assistir aulas até 22h30, 23h. O caderno dele é meio sujo de terra, porque ele estuda na roça. Considero o Rafael um herói. Tinha um jovem que é bem de vida e levava o curso meio na brincadeira. Tive umas conversas com ele e consegui fazer com que tomasse outro rumo. Na última prova, ele tirou uma nota dez, pela primeira vez. Ele veio correndo me mostrar. Fiquei muito feliz com isso. Então, são apenas alguns exemplos. O dirigente acadêmico precisa ser um intermediário entre os corpos docente e discente. É o que me proponho, precisamos ter uma discussão mais ampla, inclusive com a reitoria. As técnicas pedagógicas necessitam de aperfeiçoamento constante, o aprimoramento tem que ser permanente.
CIDADÃO: Qual é sua opinião sobre a atual situação político-administrativa de Fernandópolis? 
LANDIM: Vou responder como cidadão fernandopolense: acho que é lastimável o atual estado de coisas, com a centralização do poder numa única pessoa e um grande número de beneficiários dessa linha de trabalho. Não vejo nenhuma preocupação com os aspectos econômicos e sociais nem com o futuro da cidade. Na Saúde, não há sequer remédios para hipertensão arterial, uma coisa básica. É muito descaso. Nosso Legislativo é pífio, deixa a desejar. Torço por uma grande renovação, em outubro, tanto nos quadros quanto na filosofia política de Fernandópolis. Espero que as pessoas bem-intencionadas tenham coragem de enfrentar essa luta, e que surja uma liderança para assumir com credibilidade o Executivo. Fernandópolis merece isso, não pode continuar nessa situação.