O psicólogo André Marcelo Lima Pereira entende que a produção está sustentada por três pilastras: financeira, tecnológica e humana. Naquela que lhe diz respeito mais diretamente – a humana – André, com a experiência profissional de psicólogo organizacional que vem acumulando, aposta muitas fichas. Ele garante que vale a pena investir no homem. Formado pela FEF, ele nasceu em Mirandópolis (SP) há 34 anos. Atualmente, está cursando MBA em Gestão Empresarial e Pessoas na mesma instituição. É casado com Fátima e pai de André.
CIDADÃO: O que é psicologia organizacional?
ANDRÉ: É a psicologia voltada para a relação homem e trabalho. Seu interesse recai sobre a qualidade de vida dos colaboradores da empresa, produtividade, qualidade na produção e conseqüentemente o lucro. Uma baixa rotatividade de funcionários, por exemplo, o chamado turn over, interessa ao empresário, porque quanto menos mudanças houver no quadro, menores serão as despesas. Ao psicólogo compete melhorar essa relação homem/trabalho. Uma rescisão de contrato onera o empregador; a imagem da empresa também é importante.
CIDADÃO: Seu trabalho é feito de forma individualizada? Como é que você ‘pinça’ os casos, percebe que o colaborador está com problemas, apesar de não ter relatado isso?
ANDRÉ: Na verdade, existem algumas ferramentas de
intervenção. Há a pesquisa interna, por exemplo, que pode detectar essas situações. Isso é realizado continuamente. Numa reunião, por exemplo, fazemos uma dinâmica de grupo onde o profissional pode formular hipóteses diagnósticas e intervir no quadro. Essas intervenções podem ser em grupo ou individualmente.
CIDADÃO: Como funciona a intervenção do psicólogo quando é detectado um caso de assédio moral no trabalho? Qual é a abordagem, pelo menos na teoria?
ANDRÉ: O que eu costumo focar e sempre transmitir é que a relação homem/trabalho pode ser comparada a uma relação conjugal. Para que exista essa relação, é preciso que exista uma troca – de afeto, de respeito, acolhimento, carinho. Se essa troca não existe, não existe a relação. O assédio moral é sintoma de que uma relação não está existindo. Se eu não respeito o colaborador – que, antes de funcionário, é um ser humano – não existe a troca, portanto não existe a relação. Se eu me deparasse com uma situação de assédio moral, convidaria os envolvidos para saber o que está por trás desse comportamento. Tudo tem sua motivação. Procuraria descobrir o que os estava levando àquela situação, se era algum problema social, pessoal, familiar. Bato sempre nessa tecla: tem que existir a troca. Sem ela, não há relação. Nem conjugal, nem profissional. Às vezs me deparo com patrões ou empregados que dizem: “Ah, perdi meu melhor funcionário!”. Ou: “Perdi meu melhor emprego!”. No meu ponto de vista, eles não perderam nada. Ninguém é de ninguém. Como o empregador pode dizer que perdeu o melhor funcionário, se não o valorizou como merecia? Ora, se não se estabeleceu a troca, ele nunca o conquistou, portanto nunca o teve. O mesmo se aplica do lado oposto: basta perguntar ao empregado o que ele fez para garantir seu emprego. Ele vestiu a camisa da empresa? Engajou-se no processo, e com os colegas? Respeitou a empresa e os colegas?
CIDADÃO: Particularmente você está entre os que defendem como medida inteligente o investimento no capital humano?
ANDRÉ: É claro! Não dá para dar uma resposta diferente. A empresa é composta por três capitais: financeiro, tecnológico e humano. Um capital não existe individualmente, há que existir harmonia entre os três. Uma empresa que tem instalações adequadas, propaganda bem feita e produto de qualidade, se não tiver recursos para manter pessoal treinado, capacitado e adequadamente remunerado para trabalhar ali, não haverá sucesso. Não concebo uma empresa de sucesso focada somente no lucro. O capital humano também é essencial.
CIDADÃO: No Brasil, as férias são de 30 dias. Nos EUA, três semanas. No Japão, 15 dias, e por aí vai. Na sua concepção, o que é o ideal para o descanso do trabalhador?
ANDRÉ: Para falar a verdade, isso é subjetivo. Férias têm um contexto cultural. Não podemos comparar circunstâncias norte-americanas ou japonesas com a nossa realidade. E varia de pessoa de pessoa. Existe gente que fica dois ou três anos sem tirar férias e trabalha com o mesmo entusiasmo e tem o mesmo envolvimento com o trabalho. Existem trabalhadores que, quando você anuncia que sairão de férias, eles ficam incomodados. Muitos querem pegar as férias em dinheiro porque não conseguem ficar em casa parados. Há um entendimento bíblico de que o trabalho é tido como um castigo. O castigo de Deus ao homem, por sua desobediência, foi: “do teu suor tirarás o teu sustento”. Isso é muito forte. Quer dizer, é uma questão cultural. É muito comum ouvir diálogos do tipo: “Pra onde você vai?” “Ah, estou indo pra batalha” – ou guerra, ou qualquer outra expressão que equipare o trabalho a coisas ruins, desagradáveis. O homem sofre interferências do meio, claro. Particularmente, penso que, se existe uma legislação que determina que o empregador tem que dar férias ao empregado, então que sejam dadas as férias e pronto. Pessoalmente, sou contra o trabalhador vender suas férias. Ele que vá para casa descansar e recuperar as forças para voltar bem ao trabalho. Mas que é subjetivo, é, porque tem pessoas que não se sentem bem em férias. O ideal mesmo seria que não se identificasse o trabalho como um castigo, porque ele é edificante. Traz crescimento pessoal, renda e todas as outras coisas. E ninguém morre por trabalhar. O trabalho é a fonte de todas as outras realizações. Quer dizer, o local de trabalho deve ser visto inclusive como uma fonte de prazer. Sempre sugiro à pessoa que não está se sentindo bem no trabalho que exerce, que repense honestamente seus conceitos, vocações e tendências, e procure se encaixar naquilo que lhe cair melhor.
CIDADÃO: A legislação brasileira proíbe o trabalho do menor de 16 anos. Evidentemente, existe muita gente contrária a essa disposição legal. Do ponto de vista da psicologia, há restrições ao trabalho do jovem de 14, 15 anos?
ANDRÉ: O ser humano começa a sua história de vida na concepção. Todos nós somos especiais, porque entre trilhões de espermatozóides, apenas a um foi permitida a entrada no óvulo. Passa meses num organismo quentinho, acolhido, sendo alimentado. Depois, na vida extra-uterina, a criança continua a necessitar de assistência. Assim será, até o ponto em que ela poderá tomar as suas próprias decisões, os seus próprios rumos. Então, não temos o direito de tirar da criança parte do seu tempo de infância ou adolescência. Uma criança que vai trabalhar na roça, por exemplo, tem sua mocidade parcialmente amputada. Quando eu tinha oito ou nove anos, minha mãe me levava e aos meus irmãos para a roça, porque não tinha onde nos deixar. Nós não íamos para trabalhar, mas passávamos por aquele processo de levantar ainda no escuro, com frio, subir num caminhão, comer comida fria. Não se pode roubar essa infância. A psicologia prega que essas transições aconteçam naturalmente, sem traumas. Se a lei prega que só a partir dos 16 anos o jovem tem condições de trabalhar, certamente terão acontecido pesquisas, estudos aprofundados para subsidiar o texto legal. Todos nós precisamos cumprir nossos ritos de passagem – de preferência, sem traumas ou cortes abruptos.