Quem não conhece Denise Rodrigues de Lima Cruz e a vê conversando, pensa que ela está brava. É que ela fala alto e incisivamente, reflexo de sua segurança pessoal e profissional. Nem poderia ser diferente: há mais de duas décadas dividindo com o irmão o comando do Laboratório Paulista, Denise, que é formada em Farmácia e Bioquímica, nunca parou de estudar. Difícil mesmo foi para os pais, Laurentino e Eida, convencê-la a sair de casa, aos 17 anos, para fazer faculdade em Presidente Prudente. Ela foi, formou-se e voltou rapidinho. Casada com Carlos Alberto Cruz, mãe de Carolina e Juliana, Denise é a personagem especial do universo feminino que CIDADÃO escolheu para esta edição às vésperas do Dia Internacional da Mulher.
CIDADÃO: Você se formou há mais de 20 anos e ainda não parou de estudar. Você é doente pelo estudo?
DENISE: Às vezes acho que sim, porque desde quando fiz faculdade, que terminei em 1988, até hoje, já fiz dois cursos de pós-graduação: Análises Clínicas na FEF e Hematologia em Rio Preto. Em 1999, consegui o título de Especialista em Análises Clínicas, numa prova que prestei em Goiânia. Para se conseguir esse título, é preciso fazer provas de conhecimentos gerais no primeiro dia e uma prova baseada em slides, quando o professor dá um minuto para você responder que tipo de célula é, que tipo de leucemia. É muito difícil esse exame, mas graças a Deus consegui. Só que esse título de especialista não vale para o resto da vida: a cada cinco anos, você tem que renová-lo, e a renovação se baseia no currículo do interessado resultado de cursos, congressos, atualizações, feitos nos últimos cinco anos. Cada um tem um critério de avaliação, por pontos. Se você alcançar esse número, terá seu título revalidado. Caso contrário, terá que fazer uma prova, inscrevendo-se no congresso daquele ano e participando. Quer dizer: quem quiser manter o título terá que continuar estudando. O objetivo da comunidade científica é esse mesmo: fazer com que o profissional continuamente se recicle, busque atualização. Há muitos profissionais que se formam e nunca mais pegam um livro. Sou a favor dessa espécie de fiscalização, para que se apure se o profissional efetivamente merece continuar ostentando o título de especialista. O conhecimento é dinâmico e cumulativo.
CIDADÃO: Você escreveu uma monografia tratando de um tema local: Estudos dos Fatores Predisponentes de Leucopenia de Pacientes sem Doenças de Base no Município de Fernandópolis e Região. O que essa experiência de mais de 20 anos no Laboratório Paulista lhe ensinou sobre a região? Quais são os nossos problemas de saúde mais preocupantes?
DENISE: Fiz essa pesquisa entre pessoas sem problemas de doenças de base, ou seja, moléstias como cardiopatia, diabetes, que podem levar a outros males. A pesquisa consistiu no seguinte: eu perguntava aos pacientes se tomavam analgésicos ou anti-inflamatórios. Constatei que na região existe um representativo número de pessoas com leucócitos baixos, fator decorrente da automedicação. Basta que a pessoa sinta algum tipo de dor para ir à farmácia comprar esses medicamentos, que são vendidos aleatoriamente. Hoje, o Conselho Regional de Farmácia obteve um grande avanço, ao proibir a venda de antibióticos sem receita médica. Os antibióticos eram vendidos em larga escala. Além de se automedicarem, os pacientes não tomavam o ciclo inteiro do remédio, por isso é que surgem essas bactérias super-resistentes. Enfim, já é um avanço. Bem, voltando à pesquisa, vi que a maior parte das pessoas com leucócitos baixos tomavam analgésicos ou anti-inflamatórios em larga escala. Tem gente que pensa que leucócitos baixos são sinal de leucemia, mas não é o caso, aqui. É uma disfunção por problemas da medula, que não consegue entender essa medicação e acaba produzindo menos glóbulos brancos. Isso deixa a pessoa mais suscetível a doenças oportunistas.
CIDADÃO: Recentemente, vocês reformaram o Laboratório Paulista. O que mudou?
DENISE: Tivemos uma reforma que demorou 70 dias. Pensamos principalmente em melhorar o atendimento e a qualidade do trabalho. Sentíamos a necessidade de mais salas de coleta, de salas individuais para repouso após a coleta de sangue e outras benfeitorias. Ficamos satisfeitos com o resultado, Ficou tudo bem amplo. Nossa prioridade é o usuário, mas também para quem aqui trabalha, as condições são melhores.
CIDADÃO: O que o seu microscópio lhe diz a respeito da Saúde em Fernandópolis?
DENISE: Uma coisa que tem me preocupado é a questão das crianças, especialmente na faixa de sete aos 13 anos. Essas crianças vêm apresentando altas taxas de colesterol. Apesar das cantinas das escolas terem eliminado os salgados fritos e incluído mais sucos, o problema, infelizmente, são os lanches. Nossas crianças comem muitos lanches. A maioria das famílias não tem o hábito de jantar. Come-se o que há à disposição, e na maioria das vezes a refeição é o lanche. O problema é que não é com pão de fibra, peito de peru: é hambúrguer, ovo frito, bacon... Então, a quantidade de gordura que é consumida na casa do brasileiro é muito alta. Isso traz conseqüências para as crianças. Nessa vida moderna, todo mundo corre muito, o tempo é escasso, e todos querem praticidade. Só que o mais fácil acaba sendo prejudicial. Isso tem me assustado muito, e fica o alerta sobre esses maus hábitos alimentares.
CIDADÃO: O que poderia ser feito para solucionar esse problema?
DENISE: É complicado. É uma coisa cultural, as pessoas pensam assim: não comeu ontem, pode comer hoje, se referindo às guloseimas. Além disso, o lanche sempre é acompanhado do refrigerante. Já aconteceram campanhas da prefeitura, junto com um endocrinologista, e parece que ainda existe um programa educacional nesse sentido. Só que é uma questão cultural. O hábito de sair de casa em Fernandópolis implica comer. Seria muito interessante uma campanha para incluir mais frutas na lancheira das crianças. Elas querem levar bolacha recheada, que é gordura pura. É difícil, também tenho criança em casa, mas com a minha filha mais nova eu consegui obter mudança de hábitos. Ela come verduras e frutas. Se você for esperar a criança gostar, isso nunca vai acontecer. Tem que forçar, falar, incentivar.
CIDADÃO: O que você tem a dizer sobre a situação da dengue na região?
DENISE: Aqui no laboratório, fazemos o exame da dengue. A situação já foi muito pior. Hoje, com essas chuvas, está voltando, mas tem dado muitos resultados negativos. Só que, quando havia erradicação com a fumaça, o combate era mais eficaz. E, evidentemente, há que se fazer o controle, a limpeza de quintais e terrenos, vasos, etc. O desenvolvimento do mosquito é muito rápido. Particularmente, acredito que a pulverização não pode ser desprezada, além das outras formas de controle.
CIDADÃO: Seu irmão afirmou certa vez que se corre o risco, no Brasil, de que voltem moléstias já consideradas erradicadas, como a malária e outras. O que justifica esse temor?
DENISE: É verdade. A tuberculose, por exemplo, é um problema existente aqui em Fernandópolis. Eu já tive vários casos de tuberculose positiva, porque a gente faz exames nesse sentido no laboratório. A tuberculose tem se alastrado muito. O governo tem que dar o remédio e orientar corretamente, porque basta melhorar um pouco para o paciente encerrar o tratamento. E esse tratamento, se feito corretamente, dura seis meses! Aí, quando a doença volta, volta pior. Essas doenças antigas estão voltando principalmente porque as pessoas, infelizmente, não fazem o tratamento adequado.
CIDADÃO: Apesar de toda a sua qualificação profissional, você optou por ficar em Fernandópolis. Por quê?
DENISE: Quando eu tinha 17 anos, meus amigos foram estudar fora. Eu disse à minha mãe que não queria ir. Sempre amei Fernandópolis, fui super feliz na minha infância, brincava na rua, andava na enxurrada, tive carnaval de clube os jovens de hoje nem sabem o que é isso, porque nunca mais teve. Fiz o terceiro colegial e tive a felicidade de entrar na faculdade em Presidente Prudente. Meu irmão já estudava lá, e então minha mãe insistiu para que eu não perdesse a oportunidade. Eu me formei e voltei para casa, aí meu pai disse que iria se aposentar e que eu assumiria seu lugar. Disse que estava comigo naquilo que fosse necessário, mas queria parar. Eu e meu irmão Carlos administramos o laboratório até hoje, e continuo estudando. Ainda recentemente em outubro de 2010 terminei mais um curso. Agora, minha filha mais velha, de 17 anos, está em tempo de vestibular, estou focada nela. E não canso de estudar, porque, por mais que você aprenda coisas novas, nunca se sabe tudo. E, se você faz o que o realiza, parece que tudo sai bem feito. Eu amo o que faço. Principalmente sendo em Fernandópolis.